quarta-feira, 27 de maio de 2020

CONFISSÕES




Pequeno Ensaio para uma auto-biografia 

Sou guerreira! A luta pela conquista e a atitude de perseverança são fundamentos da minha personalidade. Esmorecer jamais. Acredito que isso possa explicar tudo o que tenho feito em minha carreira de magistério, no campo da pesquisa, no campo da cultura e, muito particularmente, na minha vida privada. 

Caráter, honestidade, fibra, amor ao próximo e à terra que lhe abriga são ensinamentos que meus antepassados incutiram em mim, sou agradecida.

Descendo, pela linha materna, de família italiana de Treviso (norte da Itália) e, pela linha paterna, de família suíça do Cantão de Obwalden. Nasci na cidade de Valinhos, Estado de São Paulo a 27 de setembro de 1949. Foram meus pais Alfredo Sigrist, pequeno comerciante e Ana Cestari Sigrist, funcionária da UNICAMP. 

Meu avô materno, Antônio Cestari, ainda criança chegou ao Brasil na cidade de Rocinha, hoje Vinhedo/SP, como imigrante italiano e passou parte de sua vida trabalhando na lavoura de café. Depois, durante o processo de industrialização brasileira, foi trabalhar nas fábricas têxteis. Ensinou aos filhos o valor do trabalho, da honestidade e da fibra no enfrentamento dos percalços da vida. Seus filhos passaram os mesmos valores a minha geração, que também tenta dar continuidade aos ensinamentos. 

Pelo lado paterno, mais fortemente, fui introduzida à tradição cristã católica, pois os suíços do Cantão de Obwalden que imigraram para o Brasil, a partir de 1854, em direção às cidades de Campinas e Jundiaí eram extremamente religiosos. 

Como filha única, de família pobre, sempre estudei em escolas públicas. Terminei o curso primário (4ª série) em 1960, na Escola Estadual Prof. Cláudio Gomes, única instituição de ensino na época - na cidade de Vinhedo-SP. Nessa ocasião, recebi o diploma das mãos do Prefeito da cidade, Dr. Abraão Aun, por ter concluído o curso primário “com louvor”, no único espaço de teatro que havia na cidade - o Salão Paroquial, mas com um bom palco e salão para abrigar um público de 250 pessoas sentadas. 

E foi nesse mesmo palco que iniciei meus primeiros passos de danças folclóricas, cujas coreografias e canto eram ensinadas às crianças de 6 a 10 anos, por professoras abnegadas imbuídas de amor à arte e coordenadas pelo ator de teatro e músico Lalo Pescarini. O show se chamava Teatro das Bonecas Vivas, apresentado todos os anos para arrecadar fundos para a igreja.


Dança Lavadeiras de Portugal
Minha participação no universo da Cultura Popular, no âmbito da religiosidade, ampliava-se para as procissões, festas de Santa Cruz e festas à Maria, ocasião para vestir-se de anjo. Mas também para os desfiles de carros alegóricos na Festa da Uva da cidade, trajando roupas típicas da Itália, pois o município formou-se a partir dos imigrantes italianos que se radicaram no entorno de Jundiaí.

 
                     http://festadauva.com.br/atracoes/desfile-de-cavaleiros/
                                               
                                             

O mundo da literatura me foi apresentado bem cedo: pequenas fábulas, livros ilustrados e o mundo encantado de Monteiro Lobato conheci aos 10 anos - li todos os volumes da coleção, emprestados da biblioteca da escola. Depois vieram os contos das Mil e Uma Noites e essas escolhas já indicavam para onde eu iria caminhar - em direção à Cultura Popular. Só descobri isso há pouco tempo.

Quando tinha 12 anos acompanhei meus pais de mudança para a cidade de Campinas e lá permaneci até 1980. Foi lá que terminei de cursar o ginásio no Colégio Estadual do Taquaral e ingressei no 2º grau, optando pelo curso médio Científico. Frequentei ateliers de pintura e cursos técnicos de violão, de inglês e iniciação ao alemão. Foi em Campinas que me casei e tive duas filhas. Criei uma Oficina de Pintura para iniciantes em Artes Plásticas e o mantive por dez anos. Comecei o curso superior de Artes Plásticas interrompendo, após o 1º ano, por questões de doença na família. 

Na PUCCAMP, Laura Della Monica foi minha professora de Folclore Brasileiro, mulher notável, grande estudiosa do folclore, estava no grupo de pesquisa de Mário de Andrade quando ele faleceu; aprendeu muito com o grande mestre. Por isso, soube passar com paixão todo o conhecimento que tinha e mais, nos conquistou para a pesquisa. Foi aí que me dei conta de que já estava enredada pelo assunto e me enamorei por essa temática.

Sobre Mato Grosso do Sul posso dizer que conheci Corumbá, em 1967, após longa viagem no trem da Noroeste do Brasil. Desde então foi um ir e vir para essa terra que, à princípio, me parecia distante do tempo e da civilização – um olhar de adolescente residente em Campinas, onde aconteciam os grandes movimentos sociais, musicais, tecnológicos. Chegar a Campo Grande, com asfalto apenas em um trecho da rua Calógeras e me deparar com figuras de peões sentados no bar ou lanchonete, ouvindo música sertaneja, era estar “fora do tempo”, principalmente quando a moda era rock’and’rol e jovem guarda. 

No entanto, esse cenário, somado às belezas do Pantanal, me prendeu para sempre neste pedaço de chão, que mais tarde fui desvendando o grande chão batido, que emprestou o nome para o meu livro. 

Em 1980 mudamos para Corumbá e três anos depois para Campo Grande, onde pude retomar os estudos de Artes na UFMS. Concomitantemente passei a lecionar no Colégio Dom Bosco, para o 2º grau e na Escola Municipal Adair de Oliveira – Vila Nhanhá, recém-inaugurada, para alunos do ensino fundamental, 5ª à 8ª séries. Apesar do pouco tempo que permaneci nessa escola, meu nome foi escolhido, entre alunos e professores, para ser a patrona da biblioteca da escola. Biblioteca Municipal Profª Marlei Sigrist foi um presente recebido em 1989.

       
                    Projetos aplicados com alunos da UFMS na prática educativa 

                
                    Projeto Folclore com alunos da Escola Municipal Adair de Oliveira (para o Festival da Cultura)

Em 1986, já formada no curso superior, ingressei na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS como professora contratada do, então, Departamento de Educação-CCHS, que mais tarde foi divido em outros departamentos, possibilitando a criação do Departamento de Artes e Comunicação-DAC, do qual fiz parte até a aposentadoria. Em 1987 fui concursada e efetivada no sistema de dedicação exclusiva. Lembro-me que os tempos eram outros, havia motivação do corpo docente em trabalhar, inovar, propor. Foi nesse clima que encontrei motivos para me espelhar, afinal os que se tornaram meus colegas de trabalho antes haviam sido meus professores. Havia muito a se fazer e a postura de companheirismo dos colegas favoreceu o desenvolvimento de um trabalho prazeroso e a motivação para cursar, posteriormente, o mestrado. 

Por mais de duas décadas na UFMS desenvolvi vários projetos de pesquisa e de extensão, principalmente na área da Cultura Popular. Criei grupos de danças folclóricas - o Sarandi Pantaneiro, o Camalote e os grupos mirins do projeto Camalote vai à Escola. Durante esse tempo recebi muitas homenagens e títulos de reconhecimento da sociedade civil de alguns municípios do estado. O currículo resumido, porque é formal, encontra-se no próximo link.


                      
               
                                             
Por esses motivos posso olhar minha trajetória no DAC, sem receio de me equivocar. Não tenho dúvidas de que aqueles bons tempos me deram a sustentação para superar aquilo que vivenciei nos últimos anos daquela instituição: a instalação da miséria material, espacial, salarial e, às vezes também a administrativa. 

Tenho a certeza que, nesse contexto, não deixei de ter responsabilidade, assiduidade, postura ética e, principalmente, compromisso com as pessoas envolvidas no processo educacional, principalmente com os alunos. Essas posturas evidenciaram-se na produção que apresentei anualmente ao DAC, por meio das avaliações do SIAD, da GED e outras realizadas antes mesmo da criação do SIAD (Sistema Institucional de Avaliação Docente). O ensino atrelado à pesquisa e à extensão sempre foi minha meta e acredito que tenha conseguido essa integração, comprovada com os projetos, as publicações, as conferências e palestras (locais e nacionais) e as repercussões e desdobramentos que tudo isso provoca na sociedade regional no campo da educação, da comunicação e do turismo. 

Assim venho trabalhando, mesmo após alguns anos de aposentadoria, em projetos culturais que me dão muito prazer em executá-los. São quase três décadas praticando o ensino de danças tradicionais regionais a uma infinidade de pessoas oriundas de escolas, universidades, sociedade em geral, dispostas a conhecer e dançar as tradições da nossa cultura. Criei uma escola, sem ter uma sede até hoje, mas batalhando, por mais de uma década, por um espaço físico para instalação da Estação Folclore. Abri espaço para uma área cultural, antes inexistente - a cultura tradicional regional, que apenas era lembrada como "curiosidades". Ela se impôs e se dignificou, tornou-se mais conhecida no Brasil a partir de publicações, comunicações em congressos brasileiros e internacionais e ocupação de espaços midiáticos.

Apesar disso, dentro de casa, ou seja, no próprio estado de Mato Grosso do Sul, muita coisa ainda deve ser feito. As classes políticas e empresariais olham para esse trabalho de valorização das raízes culturais apenas como "negócio não rentável" e nada aplicam na potencialização do setor, que pode trazer muitos dividendos no campo educativo, turístico, comunicacional e cultural. A sociedade ainda não acordou.

Mesmo assim, continuo afirmando que eu não morri, estou bastante sóbria e com energia para caminhar muito tempo ainda com as pessoas que desejarem partilhar do meu trabalho. 

                                            Marlei Sigrist



Estas são duas dentre as centenas de mensagens que tenho recebido e colocado em molduras, pois devem ser lembradas sempre: